Começou no início de agosto uma verdadeira epopéia. Uma história cheia de reviravoltas que não tem um final seguro.
A Secretaria de Trânsito de Viçosa está motivada a fazer intervenções para melhorar o tráfego na região central, onde há problemas de retenção de tráfego principalmente junto aos cruzamentos.
Uma das idéias, assim colocado, é a construção de um retorno junto à parte central da Av. Bueno Brandão.
A Av. Bueno Brandão foi construída no início do século XX. Ela está acima do nível do leito ferroviário, paralelo. A contenção à via é decorada com uma Balaustrada, que foi construída em duas partes, nas décadas de 1920 e 1930.
Sobrados ecléticos Av. Bueno Brandão |
Nessa época Viçosa crescia, a ESAV havia sido fundada e muitos novos moradores chegavam à cidade. A citada avenida era a entrada da cidade, que chegava ao centro (ainda não havia Av.Marechal Castelo Branco).
A Avenida Bueno Brandão foi ocupada pela elite à época que se fixava em Viçosa. Uma série de casarões, em estilo eclético, foram ali erguidos. A Balaustrada ornava o perímetro urbano, com postes/luminárias de ferro fundido.
Durante seus quase 90 anos a avenida passou por modificações, ampliação, modificação, troca de luminárias, alargamento e estreitamento de calçadas, reforço na contenção e a subtração de duas rampas de veículos, que ficavam na sua parte intermediária, junto à Estação Ferroviária.
Na década de 1990 o Conselho Municipal de Cultura e Patrimônio Cultural e Ambiental de Viçosa propôs o tombamento da Balaustrada, como patrimônio do povo viçosense.
Tombamento é um instrumento legal de proteção a um bem material ou imaterial. A partir do tombamento as modificações no bem ficam restritas e sua preservação é estimulada socialmente e na forma de recursos públicos.
O CMCPCAV é o representante do povo. É formado por pessoas que representam instituições sociais, culturais, empresariais e educacionais da cidade. Um grupo de pessoas disposta a discutir a cidade e o patrimônio como parte da identidade da mesma. É um conselho representativo da população.
A preservação do patrimônio é vista como a preservação da memória local. Como?
Quando algo não se materializa, ela se perde. Por exemplo: a história do seu avô, foi contada para seu pai, que conta para você, que talvez vá contar para seus filhos... mas isso não é seguro. A história da sua família pode se perder, pois é baseada em fato oral. Daqui algumas décadas, o seu avô que constituiu a sua família, não terá sua memória mais reverenciada, ou seja, a sua memória não contará com a parte que competiu a ele formar. Ou seja, a sua história, não é apenas sua, mas de sua família.
Como proteger o seu passado? Fotografias, diários, cartas, livros. Bens materiais de registro histórico, de passado, de memória. A partir dos registros se tem certeza do passado e se tem segurança para repassa-lo.
Com a cidade é a mesma coisa. A cidade não é apenas ruas, praças e edificações. A cidade também é a população que nela vive e tudo que ela faz, sua história. Essa história fica registrada de modo material.
A história de uma época fica registrada no traçado das ruas, nas construções edificadas.
Voltando ao Balaústre. Ele conta a história de uma época que a linha ferroviária tinha papel fundamental na cidade, desenvolveu o município. Se não fosse a linha férrea, como Viçosa seria hoje?
Ele conta a história de pessoas que vieram morar na cidade, e foram ícones políticos, na educação, no comércio. Fizeram o que a cidade é.
Ele mostra uma época em que o espaço público não era apenas local de passagem, de trânsito, mas de contemplação, de passeio.
O capricho de sua arquitetura demonstra a preocupação em mostrar para as pessoas que chegavam na cidade, seja de trem na Estação Ferroviária ou na parada de ônibus que ficava próximo à Pç. Marechal Deodoro, o quanto Viçosa era uma parada agradável, com um povo que se orgulhava de sua cidade.
Era o primeiro contato com a cidade. O coração da cidade.
Ao se propor o tombamento, reconhece-se a importância do bem, móvel, imóvel ou imaterial, para a cidade. No processo se avalia se deve haver alguma modificação de recuperação do bem.A recuperação de um bem é classificada:
Restauro: é reconstruir, retornar ao que era originalmente. Recuperar a função original (ex: Igrejas).
Requalificação: recuperação construtiva e arquitetônica, dando novo uso (ex: A Estação Ferroviária que virou auditório e biblioteca, ou o patronato agrícola que virou Parque Tecnológico).
Revitalização: Estruturas que não cumprem sua função social, sofrem investimentos e passam a ter uma função ativa (ex: o que deveria ser feito com a Estação de Silvestre).
Todos são modos de conservação.
Uma modelo de conservação não impede outro. Posso restaurar parte de uma edificação, porém dando novo uso.
Na Requalificação a estrutura sofre adaptações às novas funções e usos, para isso a Arquitetura utiliza instrumentos de leitura do espaço, que busca não confundir modos construtivos. É o que está sendo feito no Parque Tecnológico.
Apesar de em Arquitetura e urbanismo se ter formação em Patrimônio, essa é uma área que merece especialização, pois é muito mais abrangente do que parece ser.
Ela lida com conceitos imateriais e com a educação da população, que algo difícil no cotidiano.
Quando se fez o tombamento do Balaústre se optou pela revitalização. A estrutura estava debilitada, foi recuperada, luminárias foram substituídas, por necessidade para um modelo que se harmonizasse na falta de outra opção, peças foram trocadas e foi refeita a calçada, plantio das novas árvores e pintura. A função se manteve.
Todo bem tombado deve ser protegido do modo que está na data de tombamento. Qualquer modificação após deve ser justificada, e aprovada caso a caso. Ou seja, pessoas diferentes, medidas diferentes para cada caso.
Balaustrada, próximo à Estação Ferroviária |
Voltando ao assunto principal: trânsito.
Uma coisa que aprendi é que não adianta dar soluções para os veículos, pois a cada dia terá mais e mais veículos. Devemos pensar a longo prazo.
Por exemplo: São Paulo investiu por décadas no alargamento de avenidas e construção de viadutos, túneis, etc. Foi bom? Foi. Solucionou o problema? Não. As pessoas moram cada vez mais longe do trabalho e cada vez se tem mais carros. Hoje o que a prefeitura e o governo tem buscado? Soluções conjuntas, está sim alargando avenidas e redesenhando ruas, tirado o tráfego intermunicipal da cidade usando o Rodoanel, porém também se tem se investido mais em corredores de ônibus, metrô, trem metropolitano e ciclofaixas. Ruas no centro tem se tornado exclusivas de pedestre e estacionamento são construídos junto às estações de metrô e nas bordas dos centros comerciais. Não se pode esquecer do automóvel, mas ele não resolve, décadas depois os investimentos são muito maiores para se acertar o que não foi feito, que é investir em transporte público e estímulo ao pedestre.
Não quero comparar São paulo com Viçosa, mas sim a visão que lá teve e aqui não. As cidades crescem de maneira parecida. Viçosa cresce rápido, com problemas de relevo acidentado e pouco espaço públicopara abrir ruas, praças, etc.
A SeTra propôs uma rampa na parte intermediária do Balaústre.
A principal confusão que está acontecendo é a falta de informação, que tem se resolvido nas últimas semanas. Hoje temos a noção da proposta e dos benefícios que se propõe.
Uma observação que faço é sobre uma fala que diz "voltar o Balaústre ao que era". isso não é possível.
Nem se fizer exatamente como foi erguido nas primeiras décadas do século XX, jamais será como era.
Voltar a algo semelhante ao que era? talvez. É possível?
Existiam duas rampas com inclinação forte. Na época eram poucos carros na cidade.
No contexto de hoje, com pedestres, portadores de deficiência e maior quantidade de carros, a inclinação antiga não seria viável.
A opção proposta inicialmente é adentrar metade da rampa dentro da via e metade sobre o leito ferroviário, mantendo a linha férrea principal.
É uma opção. Uma opção que modifica o bem. Não se pode negar.
Pode ser feito? Sim, se houver a necessidade da população para tal.
O conflito que tem existido é que um grupo julga a necessidade de melhoria no trânsito como mais necessária que a manutenção do bem como está. Outro grupo julga que essa melhoria seria para uma fração da população e que não justifica a modificação de um bem que atinge a todos.Um patrimônio do povo viçosense.
Atualmente também está em conversa a proposta de implantação de um Veículo Leve sobre trilhos na Cidade. Um discurso antigo, que nos últimos anos ganhou apoio da UFV que realizou estudos e demonstrou sua viabilidade.Esse estudo está em fase de busca por parceiros financiadores e a proposta da construção da rampa inviabilizaria tal.
Enfim, é uma discussão que vai demorar a ter um fim.
E seu fim pode ou não ser o melhor.
O fato é que a SeTra quer trabalhar, quer resolver os problemas do trânsito.
A proposta aqui citada é para resolver o cruzamento da Praça Emilio Jardim.
Será que não existe outra solução? Será que um retorno 200m a frente é bom ou ruim, pra quem? Será que não há espaço na dita praça para redesenhar as vias? Será que o redesenho das vias não poderiam ser parte de uma reforma urbana naquela área, que está degradada?
Praça Emílio Jardim |
Eu proporia uma discussão maior.
Que não fique apenas na SeTra a confecção dos projetos, mas claro que mantendo a análise a aprovação por eles.
Que tal se a Emílio Jardim fosse redesenhada? Sairia caro? Sim.
Mas e os benefícios? Não são comparáveis ao que o retorno no Balaústre traria?
Uma coisa que aprendi nesses quase 5 anos de Arquitetura e Urbanismo é pensar a cidade como um local de relações. Povo, Comércio, Circulação... tudo convivendo, não se pode isolar partes de uma cidade. Isso segrega.
Proponho não pensar no trânsito apenas como fluxo, mas como transporte de crianças para a escola, de pessoas para o trabalho, de pedestres fazendo compras, de portadores de deficiência exercendo seus direitos, de estudantes de bicicleta. Proponho pensar nas ações/obras de melhoria de fluxo, como oportunidades para redesenhar a cidade. Uma cidade para todos, quem só passa ou quem vivencia o espaço.
Temos sim muitos problemas. Precisamos de soluções: investimento em obras e em pessoal.
Fiquei impressionado com a apresentação feita pelo secretario de trânsito na noite do dia 20/09 na Câmara. Ele tem muito trabalho e esse trabalho não pode se resumir a uma solução.
Que se dê andamento as outras e que a solução, que está gerando conflitos, seja melhor analisada e projetada.
Voltemos a esse assunto em breve.
Uma lição que fica é que todos querem o melhor para a cidade, que tal pensarmos juntos?
Eu tenho minhas sugestões para o trânsito e para o patrimônio.
É onde vivo, me importo.
Quem sabe um dia alguém me convença que estou errado ou me diga que acertei. Não sei.
Acho que com o diálogo já ganhamos.
O que não podemos é baixar o nível e nos acusarmos de forma pessoal. Isso só demonstra a falta de preocupação com a cidade, já que essa é construída a partir do diálogo.
Temos tantas pessoas capacitadas nessa cidade. Alguns capacitados numa formação social, outros em relação ao urbanismo, outros entendem mais de trânsito, outros de cultura, administração, agariamento de recursos, administração, engenharia...
Se sentássemos juntos, surgiria uma solução conjunta.
Sentando separados, cada um terá apenas uma visão.