sábado, 5 de fevereiro de 2011

Perdendo a inocência sobre a cidade

Eu estava conversando com minha prima ontem sobre a compreensão que as pessoas tem da cidade e fiquei com isso na cabeça.
Fui buscar na minha cabeça o que era cidade pra mim. Claro que minha maior referência é a cidade que nasci e que vivo, Viçosa.

Desde pequeno me interesso pela cidade. Claro, com um outro ponto de vista.
Desde pequeno vivo a cidade, a minha rua o meu bairro.
Desde pequeno eu queria melhorar a minha cidade.

Sobre as casas feias eu tinha a idéia de derrubar e fazer novas.
As casa velhas derrubaria e faria prédios.
Sobre o trânsito complicado, ampliaria as ruas pra caber mais carros.
As praças, cortaria as árvores, colocaria bancos e grandes monumentos.

Com o tempo, vi que as coisas não são tão simples.
A prefeitura não é rica.
O privado é mais caro que o público.
Não há vontade política.
E a grande descoberta de todas: a cidade é viva.

Bem, é mais ou menos assim.

Quando eu era pequeno, a cidade pra mim eram as ruas, com as praças.
As cidades mais bonitas eras as com malhas ortogonais e praças secas.

Com o tempo percebi que nem sempre é assim.
O relevo não permite malhas ortogonais sempre.
Praças arborizadas tem mais gente que as de concreto.
Cada cidade é diferente.

As cidades são diferentes, porque estão em lugares diferentes, e o principal, são formadas por sociedades diferentes.

A cidade surgiu, historicamente, da aglomeração de pessoas.
Cada habitante desempenhava um papel econômico e eles se aproximaram para facilitar as trocas comerciais.
Ou seja, a cidade não nasceu de um desenho, mas sim da aproximação de pessoas.


A cidade não pode ser compreendida de maneira completa nessa escala

Pessoas diferentes, culturas diferentes, geram cidades diferentes.

As pessoas também mudam com o tempo, a cultura muda, a cidade muda.

A cidade é reflexo concreto da sociedade que nela habita.
A cidade é viva, porque ela não é um monte de asfalto, concreto, postes e sistemas de água e telefonia.
A cidade, além disso tudo, acima disso tudo, são as pessoas que nela moram, estudam, vivem e morrem, rezam, brincam, se casam, trabalham...

A cidade física é a adaptação do espaço para atender as necessidades das pessoas.

As pessoas mudam devagar, as cidade mudam devagar.
Transformações urbanas rápidas podem afastar as pessoas.
Afastando as pessoas, a cidade perde seu sentido, já que ela é um espaço de interação social.

Como interação social, a cidade deve ser compreendida na escala humana.

Com o tempo aprendi que os meus devaneios de abrir grandes avenidas, reformar praças, construir prédios... não era o melhor pra cidade.
Aquilo era uma idéia.
Não há uma idéia perfeita.

A cidade é formada por muitas pessoas, devemos ouvir então muitas pessoas?

Hoje, depois de 5 anos fazendo Arquitetura e Urbanismo ainda não sei tudo sobre cidades.
Minhas opiniões sobre o espaço urbano são técnicas.
Perderam a inocência do achismo e ganharam o embasamento teórico dos exemplos globais.
Não acho que tenho a resposta pra tudo, apenas tenho referências a serem discutidas.

Fico bravo quando alguém tem, hoje, a mesma idéia que eu já tive no passado, como a de que largas avenidas são a melhor solução para o trânsito, que praças secas deveriam ser regras e que prédios não tem aspectos negativos.

Eu deveria ter mais paciência.
Nem eu tenho maturidade suficiente pra olhar a cidade sob a escala humana.
É muito mais fácil olhar a planta urbana e fazer com ela o que eu quiser.

Retomando um ponto lá atrás.
Mudar o espaço urbano, físico, é necessário, é um processo natural.
As cidades mudam.
As cidades se adaptam.
Mas uma coisa deve ser clara, as cidades são diferentes.

Ao buscar referências para serem aplicadas, deve-se levar em consideração mais que aspectos geográficos, mas históricos, sociais e culturais.
Nem sempre a boa solução para uma metrópole é a melhor para a outra cidade.
As vezes a solução de uma cidade pequena é muito melhor, mais simples e mais barata.

Não há uma cidade perfeita.
Não há como construí-la.
Brasília, com seu exemplo de planejamento modernista, tem problemas como tantas outras metrópoles, e grandes gastos para amenizá-los.

Antes de propor grandes obras, que tal pensar a cidade numa escala mais humana.
Não pensar em um mapa sobre a mesa, mas na rua em que vive, na praça que convive, no Calçadão que você faz compras.

Ao percebermos quantas vidas são influenciadas pelo espaço a gente aprende a ter mais cuidado ao propor mudanças drásticas.

Ainda sou megalomaníaco.
Quero construir, reformar, modificar o espaço urbano, mas hoje vou com muito mais calma.
Temos de ouvir quem vive o espaço, os técnicos tem que trazer suas referências, os políticos sua prática e eu a opinião.

Discutir a cidade é discutir sobre algo vivo.
É quase fofoca.
E como fofoca pode sair do controle e prejudicar a pessoa, no caso, as pessoas, a própria cidade.

Que tal colocar a cidade em um divã antes de propor uma plástica, ou pior, um transplante?

8 comentários:

  1. A cidade é viva, gostei de ver. Deixa eu ver se entendi, a cidade é o habitat da sociedade, e os problemas da cidade são reflexos dos problemas sociais, será? Manero. Só não vale sair chutando as latas de lixo, certo?

    ResponderExcluir
  2. Se você achar a cidade depredada pela manhã é porque os cidadãos tem probleminha.
    Cidade bacana, cidadãos bacanas.

    ResponderExcluir
  3. Muito bom seu texto.
    Viva as cidades!
    Ítalo Stephan

    ResponderExcluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. Postando de novo pq eu estava com o login errado...
    Excelente post!
    E belo amadurecimento pessoal, de ideias... Megalomaníaco tudo bem, mas egocêntrico você não é mais. hehehe
    E, sim, as vezes dói admitir que a cidade é um reflexo de seus habitantes, pq assim temos que admitir as nossas próprias falhas, e como são elas que causam os problemas dos quais tanto reclamamos. Soluções fáceis não existem na arquitetura/urbanismo, assim como não existem para nada. As necessidades mudam, a concepção do que é melhor também, e nós vamos tentando fazer das nossas cidades lugares mais bonitos, enquanto lutamos para nos tornamos pessoas melhores. E, olha, é uma batalha difícil!

    ResponderExcluir
  6. Muito bom texto. Como bem disse Lucio Costa, "a essência está na sensibilidade". Um livro, que se você ainda não conhece deve procurar é Acupuntura Urbana, do Jaime Lerner. Fala sobre transformações urbanas simples, rápidas e precisas, que algumas vezes nem necessitam de obras, mas que mudam muito o jeito das pessoas verem as cidades.

    Abraço!

    ResponderExcluir
  7. Jaime tem um discurso muito bom, inclusivo. Deve-se pensar a cidade como um todo, mas no ritmo que as coisas acontecem, nunca teremos a cidade que queremos.
    O acupuntura tem ótimas iniciativas. O mais me me chama atenção é como essas iniciativas mudam a maneira da população encarar o lugar em que vivem, com mais orgulho e propriedade. Ela se sente parte.
    As vezes temos boas iniciativas dos governantes abandonadas pelos sucessores. As vezes encontramos quem queira e correr atrás, mas tropeçamos na falta de visão de longo alcance, que reconheça que um mandato é apenas parte de um processo, e que as atitudes ali tomadas interferem na vida de mais gente que apenas os cidadãos daquele tempo/espaço.

    ResponderExcluir